Juntos há 49 anos, idosos não conseguem validar certidão de casamento que descobriram ser falsa

Idosos que acreditaram estar casados há 49 anos quando na verdade tinham falsa certidão de casamento tiveram negado pedido para formalização da união. Decisão, por maioria, é da 4ª câmara de Direito Privado do TJ/SP, ao considerar que o Poder Judiciário não pode chancelar um ato inexistente e ilegal consubstanciado em certidão de casamento falsa.
 
O caso envolve pedido de um casal em união que já dura 49 anos. Consta da inicial que, em 1970, eles contrataram os serviços de um despachante para providenciar a conversão da união estável em casamento, e que, após a apresentarem documentos, lhes foi entregue a certidão de casamento que teria sido lavrada em 20/2/71.
 
Mas, em 2015, após a esposa realizar a renovação da cédula de identidade e precisar de via atualizada da certidão de casamento, descobriu-se que o casamento das partes inexistia perante o registro civil competente. Afirmam os autores que, até então, nunca haviam suspeitado da irregularidade da união. Assim, os dois buscaram a Justiça pretendendo a convalidação da certidão de casamento falsa, com retificação de alguns dados como nomes dos genitores e cidade de domicílio.
 
Ao analisar o pedido, o relatora, desembargadora Marcia Dalla Déa Barone, considerou que, em que pese o inconformismo, a pretensão autoral não se restringe à mera retificação de assento de casamento civil, mas sim à convalidação de uma certidão que se descobriu ser falsa, mediante a lavratura de uma nova, "o que se evidencia inadmissível".
 
"Legalmente não restou comprovado o casamento dos autores e o Poder Judiciário não pode convalidar uma situação (casamento) inexistente, retificando e suprindo assento falso."
 
Ao considerar impossível o suprimento do registro civil, por ausência de observância aos requisitos elencados na lei para a validade do casamento, a desembargadora destacou que a única hipótese para a solução é a adoção de medidas legais para conversão da união estável em que se encontram em casamento civil, o que deverá ser realizado mediante nova ação.
 
O voto da relatora foi acompanhado pelos desembargadores Alcides Leopoldo e Maurício Campos da Silva Velho, que formaram maioria.
 
Divergência
Em sentido oposto foi o entendimento apresentado pelo desembargador Ênio Santarelli Zuliani ante a situação inusitada. Na visão do magistrado, independentemente da qualificação de ato inexistente, é permitido aplicar os princípios do casamento putativo para mandar registrar o casamento certificado, para que a união produza seus efeitos jurídicos presentes, passados e futuros, reconhecendo no caso a boa-fé absoluta das partes, "tanto que o casal está prestes a completar bodas de ouro (50 anos de casamento)".
 
"Os cônjuges incorporaram a força intrínseca do papel entregue por supostos despachantes encarregados de regularizar a união estável que se iniciava e exerceram os deveres e prazeres conjugais até o presente instante, em demonstração de que construíram família e são dignos de tutela judicial. O interesse do Estado é proteger a família."
 
Ele destacou chamar a atenção, de forma particular, o fato de que a esposa, desde 71, passou a assinar seu nome de casada, tudo com base no suposto casamento.
 
Considerou, assim, que o Tribunal deveria observar os princípios que regem o instituto do casamento putativo, reconhecendo, assim, a possibilidade de emitir sentença constitutiva e mandar realizar o assento com os dados atualizados, para que o casamento de 1971, retratado na certidão, produza efeitos retroativos, presentes e futuros.
 
"Tudo conspira para o entendimento de que os dois recorrentes foram vítimas de espertos despachantes que, aproveitando da baixa instrução e da pouca capacidade de discernimento jurídico dos interessados, apresentou uma certidão de casamento despida de autenticidade."
 
O magistrado, por sua vez, ficou vencido.

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