O que é morte simultânea e como isso afeta as questões de herança no Brasil?
Os sete dias que provavelmente separam a morte do premiado ator Gene Hackman e de sua esposa Betsy Arakawa estão cercados de mistérios. A hipótese da polícia é que ela tenha morrido de hantavirose no dia 11 de fevereiro e ele, no dia 18, de causas naturais, em decorrência de um Alzheimer avançado. O intervalo entre as mortes será decisivo na distribuição da herança: pelas leis norte-americanas, os óbitos com mais de 120 horas de diferença deixam de ser considerados simultâneos. Um elemento torna o caso ainda mais intrigante: um médico disse que recebeu ligação de Betsy no dia 12 de fevereiro, quando já deveria estar morta segundo a polícia. Mas, o que significa morte simultânea aos olhos da lei e como isso impacta as questões sucessórias?
O advogado Jossan Batistute, sócio do Escritório Batistute Advogados, especialista em questões patrimoniais e sucessórias, ressalta que a regra no Brasil é diferente dos Estados Unidos quanto à morte simultânea. “Se for provado que um faleceu um segundo antes que o outro, há toda uma mudança na ordem da distribuição da herança”, diz o advogado. Jossan explica que a morte simultânea é quando duas pessoas morrem num curto intervalo de tempo e uma delas tem direito à herança do outro, seja parte ou todo o patrimônio. “Se comprovado que uma pessoa morreu primeiro que a outra e se houver um vínculo sucessório entre elas, a herança daquela será passada para a pessoa que faleceu por último e, então, para os herdeiros desta. A depender da ordem de falecimento, alguns dos descendentes podem receber nada, já que não serão herdeiros”, exemplifica o especialista.
De acordo com o advogado, mesmo quando a morte ocorre num curto intervalo de tempo, a definição da sucessão ainda depende do regime de bens do casamento, da existência ou não de testamento, bem como depende da data da aquisição desses bens e da forma de aquisição – se foi gratuito, se foi por herança ou se foi comprado, por exemplo. “Ainda há outro aspecto que pode interferir nessas questões, que é o que chamamos de comoriência, um termo jurídico que representa a morte simultânea de duas pessoas, quando não se pode comprovar quem morreu primeiro. É o caso de um acidente de carro ou de avião em que traumas graves são causados simultaneamente às pessoas. E isso também pode interferir nas questões de distribuição de herança”, observa Jossan Batistute.
Quando a perícia não consegue comprovar quem morreu primeiro, considera-se que ambos tenham morrido simultaneamente. “Então, em casos assim, ninguém herda de ninguém”, explica. Jossan aponta que, no caso da morte ser de dois cônjuges, um não herdará do outro, passando, assim, a quota-parte de cada qual no patrimônio do casal e o que cada um tem de bem particular diretamente para os seus respectivos herdeiros, entre eles filhos, netos, bisnetos ou então pais ou avós.
A situação pode ser mais complexa do que parece, porque isso pode acontecer com mãe e filho, ou seja, sem ser possível identificar se quem morreu primeiro foi a mãe, deixando sua herança para o filho, ou se foi o contrário. Jossan pondera que outros elementos podem tornar a situação mais atípica, cuja resolução do problema deve ser mais cuidadosa, como a possível existência de meios-irmãos ou de alguma união estável. “É uma questão singela e delicada porque, quando acontece, todo detalhe, complexo ou não, importa para saber como ficará a distribuição da herança.”