O Poder Judiciário na era digital: a tecnologia como personagem processual
Rui Barbosa, célebre jurista brasileiro, outrora já dizia: “a justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta”. A frase se refere a uma época em que os processos ainda eram de papéis, com petições escritas à mão (às vezes, na máquina de escrever), com inúmeros volumes que se acumulavam em poucos fóruns espalhados pelo Brasil.
O tempo passou, o processo ficou eletrônico, o acesso à Justiça se expandiu, a estrutura do Poder Judiciário melhorou, mas, a frase do jurista parece ainda fazer muito sentido nos dias atuais. Infelizmente. Dentre as inúmeras mazelas que afligem o sistema jurídico brasileiro, a morosidade exacerbada dos processos litiga em desfavor do que prevê a Constituição da República em seu artigo 5º, inciso LXXVIII, ou seja, um processo célere e de prazo razoável.
Os advogados, em especial, são, diariamente, questionados por seus clientes quanto à duração do processo. Perguntas como “quanto tempo demora?”, “a audiência vai ser marcada pra quando?” e “quando vou receber?” são costumeiras nos escritórios de todo Brasil. Assim como a resposta: a Justiça, infelizmente, caminha a passos lentos.
Contudo, ainda que a passos lentos, o Judiciário vem se utilizando de um instrumento que revolucionou as relações pessoais, negociais, contratuais e, agora, jurídicas e processuais: a tecnologia.
É certo: vivemos no mundo digital. Bilhões de e-mails são disparados todos os dias, informações circulam com uma velocidade impressionante, transações financeiras milionárias são realizadas pelos aplicativos presentes nos inúmeros smartphones espalhados pelo mundo. Basta um clique para saber sobre acontecimentos do outro lado do mundo. Com alguns toques e você já sabe se aquele amigo que não vê há anos ainda mora no mesmo lugar, com quem está saindo, se viajou, onde trabalha, onde estuda... ou seja, as relações sociais e as informações não caminham, voam!
Vivendo em um mundo tão célere, onde atos importantes, como as transações bancárias e a assinatura de contratos por meio eletrônico são tão comuns (o mundo empresarial que o diga), parece difícil acreditar que ainda falamos em carta com AR, correios, transporte de presos entre estados para prestar um simples depoimento, ofícios em papéis, cartas precatórias, dentre muitos outros atos que fazem jus ao termo “diligência” (famosa carruagem do século passado).
Em que pesem os processos já serem eletrônicos, seus atos e comandos ainda carecem de uso de formas mais eficazes e que encontram, na tecnologia, um meio para isso.
Inúmeros estudiosos acreditam que vencer o chamado “tempo morto” dos procedimentos trará celeridade ao processo. Considera-se como “tempo morto” a fase em que o processo fica parado no cartório, aguardando rotinas feitas pelos funcionários nos atos meramente ordinatórios. Não é difícil que uma simples comunicação processual por carta leve meses, principalmente, se em outro estado da federação. A efetividade também não é de melhor sorte. A quantidade de atos desnecessários praticados nos processos, consumindo tempo e recursos de partes, advogados, juízes e de todos os que atuam no processo é algo lamentável.
Por isso que a tecnologia é tão bem vinda! E ela já é uma realidade nas comarcas. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), inclusive, já aprova a utilização do aplicativo WhatsApp como forma de intimação e comunicação de partes desde junho de 2017. Substituir a morosa carta rogatória por um simples e-mail para citação de alguém no estrangeiro também tem sido aceito pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) como ato válido. O próprio Judiciário vem se valendo de mecanismos de comunicação eletrônica para facilitar o encaminhamento de ofícios entre seus servidores (no Paraná, o Tribunal tem instalado um sistema interno, chamado Mensageiro, que torna desnecessário o envio de ofícios e gera celeridade).
A Justiça do Trabalho, de longe a mais vanguardista, já vem, inclusive, firmando acordos e realizando audiências se valendo dos mais diversos instrumentos tecnológicos (Skype, Hangouts, WhatsApp e, até mesmo, o Facebook). Tecnologia e processo do trabalho estão cada vez mais entrosados e todos acabam ganhando: partes, advogados, juízes e, até mesmo, o Estado, que reduz gastos e números de processos parados.
Outro ato que tem ganhado, e muito, com a utilização da tecnologia, é a audiência. Trata-se de um ato extremamente formal, seja em qual processo for, e que precisa de inúmeras diligências por parte de todos os envolvidos para ser realizada de forma válida. Logo, as chances de algo não sair conforme previsto em lei são as altas tornando o ato, muitas vezes, ineficaz. Uma simples audiência de conciliação pode ser reagendada para muitos meses à frente, postergando ainda mais o fim do processo, apenas em razão de uma das partes não poder comparecer ao ato.
Ciente disso, os tribunais, como é o caso do Paraná, vêm implantando nas suas comarcas mecanismos para realização de audiências por videoconferência tornando o ato menos custoso e impedindo a postergação desta por meses a fio.
O Código de Processo Civil, por exemplo, coloca o e-mail das partes e do advogado como requisito da petição inicial confirmando a presença dos instrumentos eletrônicos nos processos. Destarte, o Poder Judiciário, aos poucos, vai ingressando na era digital.
Contudo, é sempre bom lembrar que celeridade e pressa não se confundem. A aceitação destes instrumentos e sua utilização é uma novidade muito benéfica a todo sistema jurídico brasileiro, mas, é função de todos os envolvidos saber utilizá-los e, principalmente, os juízes impedirem que a utilização indiscriminada supere o devido processo legal.
A tecnologia deve vir para somar e, ainda que vivamos na era dos computadores, princípios antigos como da boa-fé e da lealdade processual, do zelo pelo bom andamento do processo, da cooperação para a célere resolução do feito (artigo 6º do CPC) e do dever de cautela devem sempre ser homenageados, sejam nas folhas de papéis, sejam nos megabytes.
Renan De Quintal integra a equipe do escritório Batistute Advogados (societário, gestão patrimonial e imobiliário), é formado em Direito pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), pós-graduado pela Escola de Magistratura do Paraná (EMAP), especializado em Direito Aplicado e Processo Civil e membro da comissão de direito da família e sucessões da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR), pela subseção de Londrina.