“Doutor, mas e os 30%?”
O Direito está repleto de mitos e inverdades espalhados pela mídia, redes sociais e, principalmente, pelo “ouvi dizer”. São tantas repetições ditas por aí que algumas alcançam o status de letra de lei.
O ramo do Direito de Família é uma das áreas que mais sofrem com estes equívocos e que levam ao advogado especialista do tema o dever de descontruir tais falácias e instruir seu cliente com o que realmente diz a lei e quais as interpretações que os Tribunais têm sobre aquela situação apresentada. Não apenas o papel de ensinar, mas também de desmistificar e dar ao seu cliente informações corretas para aquele caso e, até mesmo, para facilitar uma possível negociação entre as partes (o “achismo” sobre determinados direitos acaba, muitas vezes, por inviabilizar um acordo).
E dentre os temas de Direito de Família coberto de mitos espalhados pelas ruas das cidades e pelas páginas de Internet, o de alimentos tem lugar garantido no pódio, principalmente sobre o quantum, isto é, percentual/valor a ser fixado pelo juiz quando do pedido de pensão feito pelos filhos aos pais.
“A lei determina 30%, não é, doutor?” é a frase que introduz o assunto nos escritórios de advocacia quando da consulta feita pelos clientes aos seus advogados. Mas a verdade é que a lei nada diz sobre o valor ou percentual a ser fixado pelo magistrado! Contudo, a ideia não é de toda incorreta. Explico.
O tema dos alimentos, em especial os devidos em razão do parentesco (pais e filhos, por exemplo), tem sua base jurídica no Código Civil (artigo 1.694 e seguintes) e na Lei de Alimentos (Lei nº 5.478 de 1968). No entanto, em nenhumas dessas leis se verá escrito os famosos “30%”. O que se tem, assim como em todo conglomerado de leis e normas que disciplinam as relações familiares, é a construção conceitual e objetiva do direito e do dever de pagar alimentos. Também se extrai do Descricao legal os paradigmas para se chegar ao percentual: o binômio necessidade/possiblidade de forma proporcional (alguns, inclusive, falam em trinômio possibilidade/necessidade/proporcionalidade). E aqui a regra é clara! A necessidade é a comprovação da impossibilidade do autossustento e a possibilidade é condição financeira do alimentante em conseguir suportar aquele encargo.
“Mas e os 30%, doutor?”. Este percentual vem de uma construção jurisprudencial, ou seja, um conjunto de decisões de tribunais estaduais e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que, ao interpretarem as leis e normas sobre o tema a luz dos casos concretos, construíram um entendimento de que a fixação dos alimentos no percentual de 30% dos rendimentos de quem paga resolve, de forma aceitável, o binômio possibilidade/necessidade atendendo aos objetivos da lei e do instituto em si - alcançar não só a subsistência material do alimentado, mas também de habitação, educação, vestuário, lazer etc. Por isso da ideia de que a “regra” são os “30%”.
Contudo, como dito anteriormente, para o caso da necessidade abarcar situações extraordinárias (necessidades especiais, por exemplo) e a possibilidade financeira do alimentante permitir, é possível uma fixação diversa desta.
Como se vê, os famosos “30%” não tem sua origem nas leis, mas nas decisões judiciais – que também são fontes do Direito e, portanto, auxiliam o Poder Judiciário na resolução dos casos a ele levados – e que, por não submeterem o magistrado a sempre decidir desta forma, possibilitam outras interpretações. Assim, apesar da lei não prever percentual algum, em regra, a partir da aplicação da jurisprudência atual, as chances de se fixar os alimentos sobre 30% dos ganhos do alimentante são consideráveis para os casos mais comuns, contudo, é bom que se diga, há controvérsias, como diria Pedro Pedreira.
Por Renan De Quintal
Advogado da área de família do escritório Batistute, Peloi e Advogados Associados
Currículo: http://lattes.cnpq.br/1529204776809127